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Ela piloto/ Ela pilota: Dayane Melissa Gonçalves, a estudante de aviação que busca seu espaço na pilotagem

Reportagem por Erika Artmann

Crianças tentando alcançar os aviões que voam no céu enquanto correm em terra é uma cena habitual. O riso solto é acompanhado por braços erguidos que se despedem da aeronave que some rapidamente entre as nuvens, sem que a tripulação perceba a movimentação infantil. Na maioria dos casos, este contato distante com os aviões não passa de uma brincadeira mas, para Dayane Melissa Gonçalves, o momento significou o início do sonho de poder voar e ter as nuvens como local de trabalho.

Hoje, aos 21 anos, Dayane acaba de se formar em Ciências Aeronáuticas. Ela estuda para concluir o Exame Teórico da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) que a habilitará para iniciar as aulas práticas de voo. “Eu quero voar numa companhia aérea. Quero ser comandante, não é pouco não. Me vejo, daqui uns cinco anos, se Deus quiser, comandante da companhia aérea voando internacional”.

Quando Dayane ainda era menina, em meados dos anos 2000, passava grande parte do dia na casa dos avós enquanto os pais estavam no trabalho. Seu gosto por aviões foi influenciado pelo avô, João Miranda, que contava histórias das estradas de difícil acesso no norte matogrossense. Ele trabalhava no garimpo e, para chegar com ferramentas e alimentos às regiões mais remotas, eram usadas aeronaves. As histórias do avô vinham acompanhadas de presentes, aviões feitos à mão que tinham como matéria-prima a madeira de buriti.

Nascida em Aragarças, no estado de Goiás, ela se mudou com os pais para o Mato Grosso aos quatro anos de idade. Dayane é a filha do meio entre dois irmãos. Os cuidados diários recebidos na casa dos avós aconteceram enquanto esteve em Nova Xavantina (MT), onde morou até os oito anos. Em 2008, a família foi viver em Canarana (MT), cidade pequena do interior que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tinha a população estimada em 20 mil habitantes no ano de 2020.  Como boa viajante, Dayane pretende conhecer muitos outros espaços.

No município interiorano, onde Dayane viveu até os dezoito anos, passou a preencher a falta do avô com passeios no aeroporto municipal. Ziuleuza Gonçalves, mãe da jovem, explica  que a casa, onde os pais ainda moram, fica próxima ao aeródromo, onde a filha costumava passar horas observando a movimentação a partir da cerca de arame que contorna a pista de terra.

O cheiro do querosene e o barulho do motor levantando voo faziam parte da rotina da jovem em Canarana. “Todos os finais de semana eu estava lá. Sábado à tarde até a noite. Domingo o dia todo e, às vezes, durante a semana. Minha mãe me ligava brava pra eu voltar pra casa que estava tarde e só tinha homem no aeroporto”. Nesta fase, a paixão da menina por aviões se intensificou e, depois de fazer amizade com as pessoas que frequentavam o lugar, se ofereceu para ajudar voluntariamente na limpeza dos veículos.

Dayane explica: “na aviação, você vai ver poucas mulheres pilotando e muitas mulheres como comissário”.  Segundo a ANAC, a porcentagem de mulheres em funções de serviço de bordo representa 67,47% dos profissionais ativos. Nas funções de piloto, elas seguem sub-representadas, ocupando apenas 2,98%  dos cargos habilitados. Em alguns momentos, o contexto foi motivo de insegurança para a jovem. Ela lembra que, durante as aulas do Ensino Médio, um professor costumava dizer: “você tem que fazer biologia, porque isso aí [aviação] é coisa de homem”.

Antes de ingressar na faculdade, a jovem tentou gostar de outras profissões. Concluiu um curso técnico em RH e estagiou no Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso. Mesmo dentre todas as tentativas e alternativas, sempre quis ser piloto. Não pode escapar daquele sonho “glamouroso” de conhecer o mundo e, por isso, se mudou para Cuiabá, no Mato Grosso. Foi na capital onde Dayane concluiu a faculdade de Ciências Aeronáuticas. “Passei com 9,9 no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), minha nota mais baixa foi 9,5 durante os três anos”, conta orgulhosa.

A Capital do Mato Grosso, Cuiabá, é a cidade mais populosa do estado com 618.124 habitantes. Saindo do interior, Dayane foi se instalar na região quando tinha 18 anos, sua mãe a acompanhou nos primeiros dias. “Conheci todos os pontos da universidade, comecei a ver qual o ônibus que pegava pra ela chegar. Ela tinha que pegar dois ônibus, um pouco longe, mas a gente foi se adaptando”, afirma Ziuleuza.

 A filha logo se acostumou a viver na cidade grande e hoje não tem planos de voltar para o interior. Em um primeiro momento, quando partiu para Cuiabá, o contato com aviões se tornou distante. Dayane passou a frequentar o aeroporto da capital, mas só podia observar os aviões através das vidraças, sem poder sentir o cheiro característico do combustível ou os sons emitidos pelo veículo. Foi assim até conhecer o piloto Jonathas Lopes.

 Dayane Melissa no aeroporto de Canarana (MT), onde costumava passar o fim de semana. Foto: arquivo pessoal

Eles se conheceram durante a faculdade, quando estudaram juntos. A paixão pela aviação os conectou e hoje vivem um relacionamento sério, dividindo as contas e se apoiando mutuamente nos planos profissionais. Ele afirma que a jovem é determinada: “se dedica muito no que é para ser feito, não mede esforços e é independente”. Com 27 anos , Jonathas trabalha com aviação desde os 18 e, atualmente, exerce a profissão de piloto. O primeiro passeio do casal foi no aeroporto, onde ele atuava como coordenador de voo.  A partir deste dia, cerca de dois meses depois de chegar em Cuiabá, Dayane voltou a estar perto das máquinas.

Com a presença frequente no aeroporto e as amizades construídas através da faculdade, as oportunidades de trabalho começaram a surgir. Em 2019, um ano depois de começar a faculdade, Jonathas a indicou para uma vaga de estágio na empresa onde trabalhava. No cargo, ela passou a auxiliar no setor de estatística, cuidando do registro do combustível e outros detalhes operacionais. No novo emprego, alcançou a independência financeira e o dinheiro passou a ser um problema menor para ela e para a família.

Logo chegou o convite para trabalhar em outra companhia, uma das maiores do país. Sua função era ligada ao atendimento no guichê e, por isso, recebeu uma série de benefícios, como um bom salário e passagens aéreas gratuitas. Dayane explica que o segredo para ter alcançado suas metas de boas notas na faculdade e empregos na área é “estar com essas pessoas que já estão onde você quer chegar, ajuda muito e te agrega conhecimento”.

Jonathas reconhece que “ela é uma pessoa que entrava num ônibus ou no avião e amanhecia em São Paulo, ela se vira e não fica parada”. Este desejo de conhecer o mundo pôde ser satisfeito quando conseguiu as passagens gratuitas oferecidas pela companhia onde trabalha. Atravessar o país em um bate-volta de um dia virou constante. Dayane lembra que um dia acordou decidida a ir para São Paulo pela primeira vez. “Reservei a passagem no aeroporto, eu estava com 38º de febre, embarquei, passei o dia inteiro em São Paulo”. Voltou para Cuiabá às 18 horas, depois de tomar um café na Starbucks e passear pela Avenida Paulista, seguiu caminho até a faculdade onde tinha que realizar uma prova.

A pandemia de Covid-19 deu uma pausa na rotina da aviação e, com a crise, o contrato na companhia aérea está suspenso. Hoje, Dayane e Jonathas administram juntos a oficina mecânica dos pais do piloto. Dividem o nome na Certidão Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da empresa e usam os lucros para cumprir os gastos da vida compartilhada e investir na formação de ambos como pilotos. Ela segue estudando aviação e fazendo as provas da ANAC enquanto cuida dos negócios.

Com 1,57m de altura, cabelos cacheados e uma estrutura magra, sua decisão pela aviação pode despertar curiosidade em quem observa de fora. Uma das pessoas que viu o sonho de pilotagem ganhar forma foi Paula Prado. Elas se conheceram na igreja, quando Dayane ainda estava no Ensino Médio. Um dia, durante uma conversa sobre seguir carreira na aviação, a amiga perguntou: “Você já parou pra pensar que um avião é muito grande e você muito pequenininha?” A resposta não poderia ser diferente:  “já, mas é por isso que eu quero. Ser muito grande. Quero ir muito alto”.

Reportagem produzida na disciplina Apuração, Redação e Edição III,  sob orientação de Melina de La Barrera Ayres, no semestre 2020.2. 

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