Reportagens

Batalha das Minas abre espaço para mulheres rappers em Florianópolis

Texto: Anaíra Sarmento (anairasmsarmento@gmail.com) e Marina Gonçalves (marinajulianag@gmail.com)
Fotos: Marina Gonçalves

– Vem todo mundo pro meio e vamo começá uma rodinha de free pra esquentar o baguio.

Gab começava assim mais uma Batalha das Minas, no Centro de Florianópolis. Com os braços levantados, chamava as pessoas que se espalhavam nos bancos de cimento do Terminal Antigo pra começar a roda de rap freestyle. Um dos poucos homens presentes puxou uma batida com o violão. Do alto do seu mais de um metro e oitenta – desconsiderando o alto cabelo crespo que ele também ostentava – perguntou se aquele ritmo funcionava.
Elas responderam já puxando a rima.

A Batalha das Minas começou no final de janeiro e desde então acontece todos os sábados, a partir das 17h30, no Terminal Antigo da Cidade. O movimento começou pequeno, com apenas algumas MC’s, mas vai ganhando força e público a cada edição.

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As batalhas são de conhecimento. A mestre de cerimônias pede um tema pra plateia e duas MC’s rimarão sobre ele. Os assuntos são variados: direito a cidade, legalização da maconha, polícia, pichação, feminismo, aborto, união feminina. Depois das duas rimarem, a mestre de cerimônia consulta a plateia. A chamada é sempre a mesma:

– Quem achou que essa mana rimou melhor, levanta a mão e faz barulho! E mesmo quem não achou, faz barulho em respeito à MC.

 

Na batalha que a equipe do Cotidiano esteve presente, a anfitriã da noite arrumava o boné que escondia os cabelos verdes e começava a rodinha de freestyle, que antecede a batalha. Na meia luz de fim de tarde do terminal esquecido, contava sobre como foi pega pela Guarda Municipal por pichar um muro do centro histórico da cidade:

– Os caras levaram a gente pra falar com o delegado/ vamo tê que pagá três salários mínimos, a gente se f*deu, tá ligado?

A veterana Ka Alves, participante das batalhas de rap em Florianópolis há mais de seis anos, foi a próxima na rima. O vestido rosado solto no corpo magro, combinado comum chapéu de crochê e brincos produzidos por ela mesma, que é artesã, contrastam com a rima forte que saía sem dificuldade:

–  Não são só palavras que saem da minha boca pra fora/ é todo sentimento que junto aflora/ Eu sei que um erro sempre vai te apontar o norte/ pra seguir o caminho sem se importar, mais forte.

Suzi Oliveira, mais conhecida como Clandestina, seguiu na rima:

– Só quero cumprimentar o cara de boa/ sem ligar se eu tô com pouca roupa/ mas tudo bem, o corpo é só meu/ e se os cara embaçá cê sabe que eu nem deu/ chance dos cara me deixar pra baixo/ as mina tão por cima mandando um esculacho.

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O principal motivo que as participantes apontam como pontapé inicial para a criação da Batalha das Minas é a dificuldade das mulheres de se inserirem e serem respeitas em batalhas mistas. “Na cultura do rap a mulher é colocada sempre atrás do homem, como se o lugar dela fosse no refrão ou numa frase, mas nunca na música inteira”, explica Suzi.

Na Batalha das Minas elas acabam se sentindo a vontade para rimar, mesmo algumas sendo mais inexperientes. Algo que nem sempre acontecia em uma das batalhas mais conhecida da cidade, a Batalha da Alfândega.

O Cotidiano foi a duas batalhas no Largo da Alfândega. Na primeira, uma mulher rimou. Na segunda, nenhuma. Até mesmo o público é majoritariamente masculino. Ka Alves conta que quando essa batalha começou, o instinto deles era de manter o controle. Os homens que participavam queriam que as meninas fizessem batalhas de sangue – onde o objetivo é atacar o outro MC. Ka Alves se recusou. Pegou o microfone e, no primeiro duelo, largou “Ah, vocês querem sangue? Porque a gente já sangra todo mês”. Todas as MCs que vieram depois também preferiram ocupar com ideias, e não ataques. “O microfone tá na minha mão, quero ver vocês me obrigarem”, completou Ka.

As rappers ainda contam casos de machismo que sofreram em outras batalhas, como ouvir que mulher não sabe rimar, ou que se ganhou uma batalha é só porque é mulher. “É foda colar num show ou batalha e ver os mano, que batem no peito pra falar que é respeito e disciplina, mas não pensa duas vezes pra assediar ou abusar de uma mulher. Uma vez, num show de rap, um cara passou a mão em mim e tava com uma camiseta do Sabotage escrito ‘respeito é pra quem tem’”, conta Suzi.

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Enquanto as rimas preenchiam o habitual silêncio do Terminal Antigo, uma pequena de 5 anos dançava frenética no meio da roda. Manu, filha de Ka Alves, revezava os passos de dança com abraços carinhosos na mãe e jogava charme pras outras meninas, que sorriam pra ela, fotografavam e, quando ela permitia, roubavam um beijo na bochecha. Depois de algum tempo nesse ritual, puxou uma mantinha e deitou no chão, selando o final da noite de rimas.
Era o fim da batalha.


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